domingo, 30 de outubro de 2011

Caminhos de Darwin


"Às nove horas, juntei-me ao grupo na Praia Grande, vilarejo do lado oposto da enseada. Éramos seis: o sr. Patrick Lennon, um irlandês disciplinado que fez uma grande fortuna quando o Brasil se abriu para os ingleses vendendo espetáculos, termômetros etc. Cerca de oito anos atrás, ele comprou um terreno com floresta em Macaé e ali instalou um agente inglês. A comunicação é tão difícil que, desde aquele período, ele não conseguiu obter qualquer remessa. Após tanto atraso, o sr. Patrick resolveu visitar pessoalmente sua propriedade. Foi fácil acertar que eu lhe faria companhia e esta era com certeza uma excelente oportunidade para ver o país e seus habitantes. O sr. Lennon morou no Rio por 20 anos e, portanto, estava bem qualificado para obter informações, com sua disposição tão astuta e inteligente. Ele estava acompanhado por seu sobrinho, um jovem arguto que estava seguindo os passos do tio e fazendo dinheiro. Em terceiro vinha o sr. Lawrie, um escocês inteligente e cultivado, homem egoísta e sem princípios cujos negócios se dividiam entre o comércio de escravos e as trapaças. Ele trouxe consigo um amigo, o sr. Gosling, aprendiz de farmacêutico. O irmão do sr. Lawrie se casou com uma bela brasileira, filha de um grande proprietário de terras, também em Macaé, e é essa pessoa que o sr. Lawrie estava indo visitar. Um garoto negro que serviu de guia e eu completamos o grupo. A natureza do Brasil poucas vezes viu um grupo de aventureiros mais extraordinário e quixotesco."


"Nosso primeiro estágio foi muito interessante. O dia estava poderosamente quente e tudo estava quieto quando passamos pela mata, com exceção das borboletas grandes e brilhantes que batiam asas com indolência. A vista que tivemos ao cruzar as montanhas por trás de Praia Grande foi muito sublime e pitoresca. As cores eram intensas e o matiz predominante era um azul escuro, com o céu e as águas calmas da baía rivalizando em esplendor. Após passar por uma região cultivada, adentramos uma floresta cuja grandeza não podia ser superada. À medida que os raios de sol penetravam a massa emaranhada, lembrei-me energicamente de duas gravuras francesas feitas a partir dos desenhos de Maurice Rugendas e Le Compte de Clavac. Elas representam bem o número infinito de cipós e plantas parasitas e o contraste das árvores florescentes com os troncos mortos e podres. Eu não conseguia de maneira alguma parar de admirar essa cena. Chegamos por volta do meio-dia a Itaocaia, pequeno vilarejo situado em uma planície. Em torno das casas centrais, estão as cabanas dos negros, cuja forma e posição regulares me lembraram os desenhos das moradas dos hotentotes do sul da África. Isso talvez evoque para essas pobres pessoas no meio da escravidão a casa de seus pais. Como a lua se levantaria cedo, determinamo-nos a partir naquela noite para nosso pouso na lagoa Maricá."


"Como foi ficando escuro, passamos sob uma das montanhas maciças, nuas e escarpadas de granito tão comuns nesta região. Este lugar é famoso no país por ter sido durante um longo período a morada de alguns escravos fugidos que, cultivando uma pequena gleba de terra próxima ao topo, conseguiram tirar dali seu sustento. Por fim, alguns soldados foram enviados e os prenderam todos, com exceção de uma velha que, a ser capturada de novo, preferiu se espatifar em pedaços e jogou-se bem do topo da montanha. Fosse ela uma matrona romana e isso seria chamado de patriotismo nobre; como se trata de uma negra, foi chamado de obstinação brutal!"


"Continuamos cavalgando por algumas horas. Nas últimas milhas, a estrada se emaranhava e passou por um deserto de pântanos e lagoas. A paisagem sob a luz pálida da lua parecia bem desolada. Alguns vaga-lumes passaram rapidamente por nós e um maçarico solitário emitiu seu canto queixoso ao levantar vôo. O bramido distante e taciturno do mar que combinava com os nossos sentimentos mal quebrou o silêncio da noite. Chegamos afinal à venda e tivemos grande prazer de nos deitar nos colchões de palha."
 
 
Texto: Diário de Charles Darwin (8 de abril de 1832).
Fonte: http://www.casadaciencia.ufrj.br/caminhosdedarwin/.
Fotos da caminhada promovida anualmente pela FME (22 de outubro de 2011), uma parceria do Núcleo de Educação Ambiental (NEA) com a Profª Kátia Mansur (UFRJ).

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