"Em conversa de macuco, pardal não pode se meter", diz o velho ditado. E quando o macuco na história é o professor Portugal Neves, mais de seis décadas de vida e quase quatro de exercício do magistério, nenhum pardal atreve-se a chegar na periferia: "Esta Reforma que estão pretendendo fazer é uma coisa que fiz há 35 anos, todos os meus alunos lembram-se perfeitamente dos meus métodos".
Sua concepção de ensino chega a contrastar com sua personalidade: um pouco rude nas palavras e nos gestos, gosta do máximo de disciplina e mostra-se um "brasileiro fanático" ("sempre fiz questão de que todos os meus alunos escrevessem Brasil e Deus com letras maiúsculas"), mas fica dócil ao lembrarseus alunos no Mosteiro de Campos, primeira escola onde lecionou.
Seus métodos logo o fizeram ficar conhecido e respeitado como professor de Geografia. Para ele, "o estudo da Geografia não pode ser feito em sala-de-aula e sim na própria terra". Durante os primeiros 15 anos de profissão fez várias excursões com suas turmas, e batalhava junto às autoridades os meios de transporte (navio e avião) e até mesmo estadia: "Os colégios de hoje devem fazer o mesmo, há mais condições atualmente, falta apenas ânimo aos professores e diretores".
Uma de suas aulas mais importantes aconteceu na Ilha de Marajó, para estudantes fluminenses ("o Newton Freire fazia parte dessa turma" - lembra ele"). Conta que a ilha possui 33 quilômetros quadrados de largura, "a gente diz isso em aula, mas não acredita, o fato é que Marajó é maior que o Estado do Rio. E continua: "O rio Amazonas tem 6 mil ilhas e 1.000 afluentes. Olha, a gente pode ver nas Guianas a estrela polar, que guiou os fenícios, é uma coisa linda que pouca gente conhece".
O professor Portugal Neves diz que "não adianta falar muito, o negócio é levar os meninos até lá para verem de perto o que é esse monstro chamado Brasil". Confessa-se um "nacionalista radical" que, certa vez, rejeitou um convite para ir à Europa só porque ainda não conhecia os Estados do Rio Grande do Sul e Mato Grosso. E quando conheceu preparou-se para ir estudar os Incas, na Bolívia, "depois então é que dei chance aos europeus de pisar na terrinha deles". Quando fala do Brasil ele não tem medo de chegar ao exagero: "Já contei para estrangeiros que índio da Amazônia pesca com arpão feito do aço de Volta Redonda, o melhor aço do mundo". E foi para um estrangeiro que não acreditou na conversa, entre ele e um boiadeiro sobre a "bravura do brasileiro", que o professor Neves disse: "Num papo de macuco, pardal nunca se mete, chega pra lá..."
Recentemente ele recebeu um convite para dirigir o Ginásio de Casimiro de Abreu, mas sua saúde o impediu de aceitar a proposição. Daí em diante passou a observar os colégios atuais mais de perto e chegou a uma triste conclusão: "Se não houver dinâmica, a Reforma nunca vai existir; a aula principal
de Geografia, por exemplo, é fora da classe, lá dentro é só conversa".
O Fluminense, 27/04/1973. Caderno Encontro, página 7.
"A aula principal
de Geografia é fora da classe, lá dentro é só conversa".
Alunos da EMJB no Monte da Oração, Morro do Castro, São Gonçalo (RJ), hoje, 22/08/2012.
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