segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Rabeca

Nas grandes civilizações da Ásia e da África, em algum momento de suas histórias, existiu um pequeno instrumento de cordas tocado por um arco. Este instrumento musical teria viajado até a Europa durante a dominação dos mouros, pois a palavra rabeca foi usada durante a idade média para designar um instrumento importado do Norte da África, que se tornaria bastante apreciado nas mãos dos menestréis medievais. Com o surgimento das primeiras cidades e a profissionalização dos mestres-artesãos, um novo instrumento apareceria, provavelmente na Itália, para roubar da rabeca as atenções da nobreza: o violino. Era essencialmente o mesmo instrumento, só que construído com uma técnica e ferramentas mais precisas, e com um acabamento perfeito, o que terminava produzindo o timbre limpo e uma execução mais rica em recursos musicais.

Nas aldeias distantes dos centros urbanos, entre a população mais pobre, as rabecas continuariam a ser produzidas como antes, com processos artesanais mais rústicos. Por isso passou a designar qualquer instrumento folclórico parecido com o violino, de fabricação popular. A característica que os distingue é justamente a ausência de padrões da rabeca, seja no processo construtivo, no material utilizado, no formato, tamanho, número de cordas ou afinação. Ela tem um som fanhoso e sentido como tristonho, e o tocador a encosta no braço e no peito, friccionando suas cordas com arco de crina, untado no breu. “Esse é o colorido especial da rabeca”, diz o músico pernambucano Siba. “Um tocador de violino passa anos aprendendo a limpar os timbres, mas o rabequeiro não limpa, está mais preocupado com a pancada do braço, o ritmo, os sons rasgados.”

Essa imprevisibilidade da rabeca dificulta enormemente a sua execução e faz com que o aprendizado do tocador seja tão intuitivo quanto metódico. O aluno precisa descobrir por conta própria a altura da afinação ideal, e para esse tipo de aprendizado não existe um bê-á-bá. Restrita às festas populares e religiosas, a rabeca teve força para se espalhar pelo Brasil, tendo se adaptado à cultura de cada região, dos fandangos paranaenses até os cavalos-marinhos pernambucanos, passando pelos reisados de Minas Gerais. Nas fotos desta matéria, alunos da E. M. João Brazil (duas primeiras do alto), e do Morro de São Lourenço (acima) - tendo contato com uma rabeca pela primeira vez na vida.



Esta rabeca foi construída por Mané Pitunga, codinome de Manoel Severino Martins, nascido num engenho onde o pai trabalhava como agricultor, na cidade de Ferreiros (zona da mata pernambucana) e falecido há poucos anos. Ao ver pela primeira vez o instrumento, Mané logo tratou de arrumar uma boa tora de madeira para fazer o próprio. "Peguei um serrote e uma foice. Terminei aprendendo pela minha própria cadência", dizia o virtuoso tocador de rabeca - 35 anos nas apresentações de Cavalo Marinho, e cerca de 200 instrumentos espalhados hoje pelo Brasil e o mundo. O som é agudo, arranhado, sujo, e era essa exatamente a intenção.

Texto extraído da Revista Raiz (http://revistaraiz.uol.com.br).


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